quarta-feira, abril 28, 2010

Documentos sobre João Álvares Fagundes (I)

Sobre João Álvares Fagundes, capitão da Terra Nova, pouca informação se encontra, principalmente online. Alguma dela está livremente disponível no Archivo dos Açores ( http://www.uac.pt/~arquivoacores/ ) (sobre Fagundes procurar Corte Reais, Volume IV, páginas 465-468) indirectamente ao falar dos feitos dos Corte-Real. Aqui são referidos boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa (actual Sociedade de Geografia de Portugal). Como esta informação não se encontra online, para os interessados, vou colocar aqui o texto integral presente nestes boletins sobre o explorador.

Os textos vêm do Boletim da Sociedade de Geografia - Nº 2 (Dezembro de 1877), páginas 72-77 e Nº3 (Julho de 1878), páginas 169-172.

Começo pelo primeiro:

"
III
João Alvares Fagundes
Um dos descobridores da Terra Nova

Querem alguns genealogicos que este intrepido aventureiro vianez proceda dos celebrados Facundios ou Fagundes, fidalgos portugueses muito encarecidos em nobiliarios e que parece devem sua origem a uma fraqueza amorosa de um cardeal S. Facundo com uma ilustre dama romana, de nome Isabel de Bolonha (1). Esta opinião é a que mais commumente se verifica das arvores genealogicas de algumas familias distinctas do Minho, nas quaes, se bem que por um modo extremamente vago e sem indicações chronologicas, apparece o nome do ousado navegador com estes titulos Capitão da Terra Nova e Senhor e Descobridor das Ilhas do Bacalhau.
Assim o encontramos na arvore genealogica de Antonio Pereira Cyrne de Castro da Silva Bezerra Fagundes, de Vianna, na qualidade de irmão de Catharina Alvares Fagundes, esposa de Pero ou Pedro Gomes Pereira do Lago, senhor do praso de S. Salvador da Torre.
Na casa de Calheiros, uma das mais antigas da ribeira Lima, apparece o nome de João Alvares Fagundes, ""senhor"" na qualidade de avô de Francisco Fagundes e este, pae de Gembra Jacome Fagundes, casada com Garcia Lopes Calheiros.
Estas referencias, porem, apparecem, como dissemos, despidas de toda a indicação chronologica, sem authoridade, sem esclarecimentos e não faltando quem com bons fundamentos duvide da veracidade d'ellas. N'estes termos, pois, não nos bastam estas alusões particulares, escriptas no seio das familias e quasi sempre por chronistas apaixonados ou estipendiados, para considerar-mos João Alvares Fagundes descendente d'aquelles fidalgos, que já no século XIII acudiam com donativos valiosos á obra que Affonso III emprehendera em Vianna. Em escriptos de maior credito o vemos tractado apenas por fidalgo vianez, cavalleiro da casa de El-Rei, chefe da familia Fagundes e como tal declarado por D. João III no brasão d'armas que deu a Pero Pinto, sobrinho do illustre aventureiro, a 9 de setembro de 1527, em Coimbra (2).
Esta referencia, feita por o auctor dos Solares e pondo mesmo de parte a qualidade de genealogico imparcial e o cunho de veracidade que apparece em todos os seus escriptos, affigura-se-me bastante para provar que João Alvares Fagundes, em rasão do feito por elle practicado, constituiu de per si uma outra familia, independente da que houvera sido nobilitada por Affonso III em 1253.
O que se me affigura exacto é que os antigos senhores do appellido Fagundes, vendo os favores que do soberano recebera em 1527 o intrepido navegador não hesitaram conta-lo entre os illustres de sua estirpe, processo facil, por meio do qual os annaes de familia podiam adquirir mais profundo luzimento.
Querem também alguns escriptores que João Alvares Fagundes sahisse do solar do Outeiro, na freguezia de Moreira, concelho de Ponte de Lima. Não me parece com muito fundamento esta asserção.
A casa do Outeiro, situada na freguezia de Moreira do Lima, no lugar das
Lages, no extremo do qual fica um outro com o nome de Roubão, é obra de Ruy Fagundes, arcypreste da collegiada de Vianna e filho de Rodrigo Ennes Fagundes, egualmente arcypreste da mesma collegiada. Este Ruy Fagundes veio a instituir vinculo por mando ou testamento de 5 de setembro de 1553, época, aproximadamente que deve ser tomada como da fundação da casa, cujas ruinas ainda se ostentam de pé. Por uma determinação especial nomeou Ruy Fagundes por administrador de seu vinculo a seu filho Balthazar Fagundes, morador em Vianna, pessoa de muitos creditos, governador do castello, qualidade que este fidalgo não omitte em seu testamento, escripto n'aquella villa a 4 de janeiro de 1594.
Até o tempo em que D. Diogo de Lima foi feito governador do castello estiveram n'elle esculpidas as armas dos Fagundes, como evidentemente o affirma o padre Antonio machado Villas-boas em seus apontamentos.
Ostentam ainda hoje as ruinas d'este solar do Outeiro varias legendas que, mais por curiosas que por fazerem parte do objecto principal d'esta noticia, aqui deixo apontadas.
Sobre o portão que dá serventia para o rocio ou terreiro está um escudo coroado com o symbolo timbrico dos Pereiras, isto é, uma cruz no meio de duas allas ou azas. No corpo do brazão que é espherico estão representados os appelidos Pereiras e Fagundes, sem mais ornato nem inscripção.
Dentro do rocio e sobre uma pequena porta que dá ingresso para um caminho da quinta está outro brazão com os mesmos appellidos, diversificando apenas no timbre pela ausencia das allas. A cruz que encerra o escudo tem esculpturada a imagem de Christo. Serve de appoio a este emblema heraldico uma especie de atticos, sem ornamentos nem primores, no corpo dos quaes se lê claramente esta inscripção:

MORGADO DOS FAGUNDES.

QVE INSTITVIR V´ FAGV~DES ANO 1553. FOI
PRIMEIRO ADMINISTRADOR B.AR FAGUNDES
SEU FILHO QVE ESTA OBRA E CAZAS FEZ.
HA INSTITVICAO ESTA NA CAMARA DA VILLA
DE VIANA CABECA DO MORGADO
1583.

No extremo norte da quinta, já sobre o logar do Roubão e em parede pouco elevada está entalhado um escudo, já não oval, com o symbolo heraldico dos Fagundes e a inscripção seguinte:

_______
P. A.-- B. F
MORGADO DOS FAGV~DES
_____________________
1591

isto é = primeiro administrador = e = Balthazar Fagundes.
Este Balthazar Fagundes parece que, depois de enviuvar, veio a fazer-se clerigo, obtendo mais tarde a abbadia de Moreira, onde falleceu. D'este Balthazar Fagundes ficou uma filha de nome Maria Fagundes, que casou com Francisco Pereira Pinto, senhor do segundo morgado de Bertiandos.

(a continuar)

sexta-feira, janeiro 29, 2010

O dos Castelos


A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquelle diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.


Fernando Pessoa

sexta-feira, agosto 14, 2009

Brunei vs Majapahit & Kutai


Brunei foi corajoso o suficiente para declarar guerra a Kutai, um vassalo meu. Os exércitos do império de Majapahit estão agora a marchar para Kutei para salvar o meu vassalo.

Eu venero o Europa Universalis III. Eu adoro história, principalmente a história de países pequenos e obscuros de que ninguém ouviu falar e este jogo, juntamente com a comunidade de modding, oferece-me um mundo inteiro jogável cheio destes países WTF.

[Já agora, esta é a expansão In Nomine, com o mod Terra Universalis (que fui eu que criei! Mas esta parte no mundo é baseada noutro mod, Divide et Impera)]

Eu sinto saudade desse mundo, cheio de países, cheio de cultura, cheio de complexidade...

Em próximos posts vou relembrar a história de muitos destes países obscuros. Eles merecem isso.

Como devem saber Brunei ainda existe. Sim, é uma sombra do poderoso sultanato que governou o Bornéu, mas só a sua existência é o suficiente para me deixar feliz já que torna o mundo muito mais interessante. (Como monárquico deixa-me duplamente feliz já que ainda é uma monarquia - as repúblicas são muito menos interessantes).

segunda-feira, agosto 10, 2009

A Monarquia do Sul












90 anos depois da Monarquia no Norte foi proclamada a Monarquia no Sul.

«Soldados !
«Tendes diante de vós a Bandeira Azul e Branca! Essas foram sempre as cores de Portugal, desde Afonso Henriques, em Ourique, na defesa da nossa terra contra os Moiros até D.Manuel II mantendo contra os rebeldes africanos os nossos domínios em Magul, Coolela, Cuamato, e tantos outros combates que ilustraram as armas portuguesas.
«Quando em 1910 Portugal abandonou o Azul e Branco, Portugal abandonou a sua história! E os povos que abandonam a sua história são povos que decaem e morrem.
«Soldados! o Exército é, acima de tudo, a mais alta expressão da Pátria e, por isso mesmo, tem que sustentá-la e tem que guardá-la nas circunstâncias mais difíceis, acudindo na hora própria contra os perigos, sejam eles externos ou internos, que lhe ameacem a existência.
«E abandonar a sua história é erro que mata! Contra esse erro protesta, portanto, o Exército, hasteando novamente a sua antiga Bandeira Azul e Branca.
«Aponta-vos Ela os caminhos do Valor, da Lealdade e da Bravura, por onde os portugueses do passado conquistaram a grandeza e a fama que ainda hoje dignifica o Exército de Portugal perante as nações do Mundo!
«Juremos segui-la, soldados! E ampará-la com o nosso corpo, mesmo à custa do próprio sangue!
«E com a ajuda de Deus, e com a força das nossas crenças tradicionais, que o Azul e Branco simbolizam, a nossa Pátria salvaremos!»

«Viva El-Rei D.Manuel II!»
«Viva o Exército! Viva a Pátria Portuguesa!»

Dircurso de Paiva Couceiro aos seus companheiros na Monarquia do Norte em 1919

sexta-feira, julho 03, 2009

Maria João Pires renuncia à nacionalidade portuguesa


Maria João Pires renuncia à nacionalidade portuguesa

Será que sou o único que pensa que a nacionalidade portuguesa vale mais que dinheiro e birras sejam elas legítimas ou não?

segunda-feira, junho 15, 2009

O meu grande amigo Pidgeot

Como já devem ter reparado, eu gosto de imensas coisas, umas mais eruditas, outras mais "fúteis". Dentro das coisas fúteis que eu gosto é o jogo Pokémon. Acho o conceito muito bom (para quem não sabe, apanhar criaturas e depois usá-las para combate) e tenho pena que a ideia não seja usada para criar um jogo "totalmente para adultos", que devido à complexidade que o jogo tem vindo a ganhar teria certamente sucesso.

Os jogos pokémon (que já vão na 4ª geração) resumem-se a um RPG 2-D (para leigos: és uma personagem e vais jogando com ela com gráficos que podiam ser melhores) em que a fórmula é ir apanhando pokémons (se quiseres, mas é preferível ter pelo menos alguns) e depois ir lutando com eles até ganhares as competições do jogo (o que se faz rapidamente), e depois disto (já que não há fim) podes ir treinando outros pokémon que ainda não treinaste até ao nível máximo (100). Como devem imaginar, chega-se a uma certa altura em que o jogo se torna repetitivo. O que mantém o jogo popular é o chamado Metagame, que é simplesmente a parte das batalhas num modo multiplayer (leigos: com vários jogadores). Dado que felizmente as batalhas podem ter volte-faces incríveis (dada a complexidade e variedade dos ataques [que os pokémons podem aprender] que existem), fazendo com que o desfecho seja muitas vezes imprevisível. Dado que existem (até ao momento) 493 pokémons (embora aqueles que se usem nos combates sejam menos), e juntando-se dúzias de ataques com os efeitos mais esquisitos (como distorcer as dimensões de forma a que os pokémons mais lentos ataquem primeiro por 5 turnos ou convocar uma tempestade de areia - falando apenas de ataques que não provocam dano directo à energia do adversário) e 17 tipos de pokémons com fraquezas, resistências e imunidades entre si percebe-se porque é que este jogo continua a ser cativante.

O meu pokémon favorito é um que por acaso não é muito bom no combate (e portanto não é muito usado no chamado Metagame). Chama-se Pidgeot, tem os tipos Normal e Voador (os pokémons podem ser de dois tipos em simultâneo) e é da geração I, o que quer dizer que faz parte do lote dos primeiros 151 pokémons. Por ser antigo (e portanto joguei com ele quando era mais novo) e por ter gostado muito do conceito dele tornou-se no meu favorito.









PIDGEOT!!!
Stats (Pontos base)
HP (nº de pontos de vida): 83
Ataque (Físico): 80
Defesa (Física): 75
Ataque Especial: 70
Defesa Especial: 70
Velocidade: 91

Uma das coisas que me levou a gostar do Pidgeot é ele ser equilibrado (leigos: abaixo de 70 esse stat é mau, acima de 100 é bom). Esta aparente vantagem é na realidade a maldição dele: não é mau em nada, mas também não é bom em nada. Não tem capacidade para aguentar muitos ataques, mas também não tem poder para desferir golpes poderosos. Muitos pokémons especializam-se num certo stat alto (e.g. 120) e usam-no bem. O Pidgeot não tem essa vantagem. Mas em comparação com outros pokémons Normal/Voador Pidgeot é sem dúvida o mais equilibrado (com a excepção do ridiculamente fraco Farfetch'd que está a precisar de uma evolução). Existem atacantes físicos com mais velocidade e poder de ataque (Staraptor, Dodrio, Fearow, Swellow) mas que depois no campo especial são maus ou então atacantes especiais (Chatot, Togekiss, Noctowl - este mais defensivo) que depois não são bons no campo físico (note-se que Togekiss é quase de outro campeonato em relação aos outros por ser muito forte). Com os seus stats Pidgeot pode ser qualquer coisa - e é esta versatilidade (embora quase inútil) que eu gosto nele.

Habilidades

O Pidgeot é um daqueles pokémons em que fazia falta uma habilidade para compensar os seus stats, mas não. Keen Eye (basicamente o pokémon não pode perder pontaria) é inútil no Metagame e nem sequer contraria o aumento da evasão do adversário. Tangled Feet (a evasão do pokémon aumenta quando está confuso) é igualmente má, pois um Pidgeot confuso é quase de certeza um Pidgeot morto. Infelizmente as 2 habilidades do Pidgeot já estão escolhidas, pelo que não poderia ter outra... Tendo em conta as características do pokémon Intimidate ou Speed Boost teriam a sua lógica, embora penso que ele mereceria uma outra: uma habilidade que aumentasse o poder dos ataques que envolvessem vento em 50%.

Ataques

Como a maior parte dos pokémons do seu tipo, o moveset (isto é, o conjunto de ataques que pode aprender) não é muito extenso. No campo ofensivo físico "bruto" Brave Bird, Return, Double Edge e Steel Wing são boas opções, embora o ataque do Pidgeot não permita que eles sejam suficientemente eficientes. Até esta geração um pokémon de aço poderia aparecer à frente dos pokémons Normal/Voador e rir-se do que este lhe mandaria. Staraptor tem uma forma de contrariar esse problema com o poderoso Close Combat, o que o faz destacar dos outros.

No entanto, os tutores da versão Platinum trouxeram nova vida ao Pidgeot. Dado o seu equilíbrio, este tem algum poder no campo especial, e aí Heat Wave é uma brisa para o moveset do Pidgeot (e para os outros atacantes especiais). Outras opções, como Icy Wind, são também interessantes embora não sejam fantásticas. Outra, Air Slash, permite ter um ataque do mesmo tipo com alguma força. Ou seja, usando da sua versatilidade, Pidgeot pode tentar ser uma espécie de atacante misto, com Brave Bird, Return/Air Slash, Heat Wave e Icy Wind. Embora não vá matar muita gente (provavelmente não mais de um) pode provocar surpresas como um 2 HKO num Garchomp ou um 2 HKO num Skarmory, tendo ainda os poderosos Return e Brave Bird para tentar fazer mossa num atacante especial (embora não o consiga derrotar só). Novamente, o Pidgeot não é uma máquina de combate, mas agora pode fazer alguma coisa.

Dos ataques que não provocam dano, Pidgeot também os pode usar embora sem ser fabuloso nisso. Featherdance juntamente com Roost pode atordoar um pokémon desprevenido, já que ele tem as defesas suficientes para o tentar fazer em ambos os espectros. Tailwind e Agility poderiam dar mais jeito e Mirror Move poderia ser fantástico se imitasse tudo o que o adversário fizesse.

Na minha opinião Pidgeot precisa de mais truques na manga, já que não possui nenhum trunfo na sua natureza. Extremespeed e um Gust que funcionasse como Rapid Spin seriam boas adições. Um "Extremespeed" e um "Overheat" voadores seriam bons para o Pidgeot Algo que aumentasse algum dos ataques ou defesas também. Enfim, Pidgeot é um daqueles pokémons que os criadores não querem saber (mas existem casos piores - mas não muitos no final de uma cadeia de evolução) e que por causa disso foi piorando com o tempo.

Em suma: eu adoro o bom velho Pidgeot. Não é óptimo, mas eu gosto muito da versatilidade dele.

PS: O Pidgeot não aprende Icy Wind - mais uma falha dele

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Os Bacalhaus Perdidos (V) - João Fernandes "Lavrador"

Como já falei anteriormente, existiram viagens portuguesas ao ocidente antes de 1492. No entanto, a primeira viagem bastante reconhecida começou em 1499, com um dos descobridores portugueses mais desconhecidos tendo em conta a sua fama. O famosíssimo Lavrador é na realidade um desconhecido para muita gente. A sua fama actual provém da existência de uma terra com o seu nome, o Labrador, no estado da Terra Nova e Labrador, no Canadá. A existência de um estado canadiano actual comum a estas duas terras é no mínimo irónica, pois como iremos ver estas eram consideradas como Portugal suas, juntando-se também o Cabo Bretão e ilhas adjacentes.

Mas voltemos ao Lavrador, o descobridor. Em Setembro de 1499 algo muito importante aconteceu em Portugal, com o regresso de Vasco da Gama. A rota para a Índia estava finalmente aberta, e na minha opinião foi isto que fez com que Portugal começasse a oficializar as suas descobertas a Ocidente, juntamente com o facto de que a ligação de Portugal a Espanha estar apenas baseada na vida do Príncipe D. Miguel da Paz cuja idade era pouca. Na minha opinião D. Manuel jogou pelo seguro, e os acontecimentos vieram a dar-lhe razão. Não acho que é por acaso que em 1499, 1500 e 1501 Portugal "descobre" de repente todas as terras a ocidente a que tinha direito segundo o Tratado de Tordesilhas (Gronelândia, Brasil, Terra Nova e Lavrador). Logo em Outubro de 1499, um mês depois de Vasco da Gama ter chegado, é emitida a seguinte autorização:

Dom Manuel etc. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que Joham Fernandez morador em a nossa Ilha Terceira nos disse que por serviço de Deos e nosso se queria trabalhar de hyr buscar e descobrir algumas Ilhas de nossa conquista aa sua custa e vendo nos seu bõo desejo e preposito aalem de lho termos em serviço a nos praz e lhe prometemos por esta de lha darmos como de feito daremos a capitania de quallquer Ilha ou Ilhas asy povoadas como despovoadas que elle descobrill (sic) e achar novamente e esto com aquellas remdas homrras proveitos e imteresses com que temos dadas as capitanias das nossas Ilhas da Madeira e das outras e por sua guarda e nossa lembrança lhe mandamos dar esta carta per nos asynada e aseelada com o nosso seelo pemdente. Dada em a nossa cidade de Lisboa a 28 dias do mez d'outubro, André Fernandez a fez, anno de nosso senhor Jhuu x.º de 1499

Dois anos depois, a 19 de Março de 1501 o rei Henrique VII de Inglaterra dá o senhorio das terras que descobrirem a Richard Ward, Thomas Ashurst, John Thomaz, negociantes de Bristol, juntamente com João Fernandes, Francisco Fernandes e João Gonçalves, estes últimos escudeiros das ilhas dos Açores, vassalos do Rei de Portugal (Armigeris in Insulis de Surris, sub obedientia Regis Portugalis oriundos). A 7 de Janeiro de 1502, o rei de Inglaterra dá "aos homens de Bristol que acharam a ilha libras=5", pelo que a viagem foi bem sucedida.
Conhecemos mais de Lavrador de forma indirecta por Pedro de Barcellos, que numa disputa de umas terras na ilha Terceira, defende a sua ausência da ilha com:

houve um mandato d'Elrei para ir a descobrir eu e um João Fernandes Lavrador, no qual descobrimento andamos bons tres annos

Há dúvida quanto à data desta carta de Pedro de Barcellos, Ernesto do Canto acreditava que ela era de 14 de Abril de 1495, já vi outros autores indicarem a data de 1502, que faz mais sentido tendo em conta a doação de D. Manuel de 1499. No entanto, dado a doação de D. Manuel dizer "que elle descobrill (sic) e achar novamente" pode querer dizer que ele já tinha achado a ilha antes de 1499. É uma questão de se confirmar a data. Voltemos a uma família Barcellos da ilha Terceira mais tarde, que muito provavelmente é a mesma de Pedro de Barcellos.

Em 9 de Dezembro de 1502 Henrique VII de Inglaterra volta a emitir uma carta semelhante à de 1501, mas desta vez o nomes são Thomaz Ashehurst, João Gonçalves, Francisco Fernandes e Hugh Elliott. O nome de João Fernandes já não aparece. Mas uma informação é importante, a carta diz "fazer navegações e descobertas marítimas, comtanto que não causassem prejuízo algum aos paizes anteriormente descobertos e reduzidos á obediência d'El Rei de Portugal". Ou seja, Inglaterra estava a garantir que não violaria os territórios anteriormente descobertos por Portugal. Aqui está outra informação que nunca se houve em lado nenhum.

Quererá o não aparecimento do nome de João Fernandes (alcunha Lavrador) estar relacionado com a sua morte? É bastante possível, porque nunca mais se ouviu falar dele. Contudo, o nome de Terra do Lavrador começou a aparecer em quase todos os mapas, imortalizando o seu nome.

Num mapa anónimo de 1534 a terra denominada Tiera do Labrador tem a legenda:

La qual fue descubierta por los ingleses de la vila de bristol e por que el que dio el laviso della era labrador de las illas de los Açores le quido este nombre

Esta legenda faz uma espécie de resumo de todas as outras legendas dos mapas do século XVI. Porém esta é a mais completa. A questão que se tem de pôr é porque é que Lavrador foi para Inglaterra juntar-se aos comerciantes de Bristol. Se assumirmos que a carta de Pero de Barcellos é de 1502 (o mais plausível) então sabemos que a viagem de ambos ocorreu de 1499-1502. Ou seja, pelo meio João Fernandes estava a juntar-se aos navegadores de Bristol. Como o rei Henrique VII de Inglaterra salvaguardava os interesses de Portugal (de notar que em 1501 Gaspar Corte-Real já tinha partido para a sua segunda viagem) Lavrador talvez quisesse juntar forças com navegadores e comerciantes que também queriam retirar proveito das terras do norte, terras que também eram suas devido à doação de D. Manuel I de 1499. Não é de excluir a hipótese da existência de rivalidade com os Corte Real, seus conterrâneos da Terceira.

Só falta esclarecer uma questão, que terra(s) Lavrador e Pero de Barcellos descobriram? A maior parte dos mapas do século XVI apresentam o actual Labrador junto com a Gronelândia, pelo que a legendada "Terra do Lavrador" é difícil de discernir. O mapa Cantino de 1502 apresenta a Terra Nova/Terra Nova+Labrador e a Gronelândia (ver esta parte do atlas na imagem ao lado) nas suas posições correctas, bastante afastadas, e indica a Gronelândia, legendada como "A Ponta da Ásia" com a seguinte legenda:

Esta terra he descober (sic) por mandado do mui excelentissimo principe dom manoel, Rey de portugall a qual se cre ser esta a ponta d'asia, e os que a descobriram nam chagaram a terra mas viroula, e nam viram senam serras muito espessas, polla quall segum a opiniom dos cosmofircos se cree ser a ponta d asia

Ao contrário da Terra Nova, que claramente é identificada como sendo descoberta por Gaspar Corte Real, a Gronelândia não apresenta descobridor. É provável que a Gronelândia tenha sido então descoberta por João Fernandes Lavrador e Pero de Barcellos. Se Lavrador descobriu ou não o actual Labrador é uma questão em aberto, mas existe a possibilidade de não o ter feito, mas com o tempo e as confusões dos mapas do século XVI o seu nome ter passado da Gronelândia para o actual Labrador. Se esta possibilidade for verdade, Lavrador seria o capitão da Gronelândia, o que é outra informação extremamente interessante e que nunca ouvi referida. Faz muito sentido assim a sua ligação a Bristol, cujos navegadores pescavam frequentemente nas costas da Gronelândia. De notar que a cartografia da Gronelândia efectuada por Lavrador e Barcellos seria a melhor em cerca de 200 anos, pois apenas após estes anos algum mapa rivalizou com a precisão da Gronelândia do mapa Cantino.

A última questão tem a ver com a relação da descoberta de Lavrador com a Dinamarca e Noruega, uma vez que estes reinos tinham reclamado este território no tempo dos raides vikings. Parece que as últimas populações nórdicas da Gronelândia extinguiram-se no século XV devido à mini idade do gelo neste século, pelo que seria interessante saber o que pensavam os reis da Dinamarca e Noruega (em união pessoal) sobre esta reclamação da Gronelândia para Portugal, como muitos mapas, incluindo Cantino, mostram. De notar que 25 anos antes Portugal e Dinamarca tinham feito explorações secretas conjuntas do árctico, pelo que as relações teriam de ser certamente boas. Esta é uma questão que ainda não tem resposta. Para a história fica mais o excelente trabalho de Lavrador, que com condições muito adversas, em mares muito perigosos devido ao gelo, conseguiu o objectivo.